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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Carta 1



Olá, meu amor
Tenho lutado diariamente para dar a mão ao outro, enquanto tento iluminar estes fantasmas dentro de mim, estes vultos perdidos, estas coisas melancólicas. Perdidas em lugares demasiado familiares da infância ou da adolescência, rostos de ódio, gestos mesquinhos e malvados, palavras sujas cuspidas, cheias de veneno, de pessoas por quem tinha aprendido a ter afeto! Converso comigo, ao perder-me em devaneios nos bancos de jardim, e domino-me. Ninguém me conhece como eu a mim mesmo, querida. Prevejo as minhas reacções, antecipo-me a mim mesmo, e vivo atento aos pensamentos deletérios que me perseguem furtivamente dia após dia, e que se tornam, no fundo, o meu fardo nesta vida. "Nem vou pensar mais neste assunto!" (eu, disciplinando-me)
O tempo escorre incorrendo inversamente na minha lesão da rótula. Vão surgindo dias de sol e de chuva no cárcere da minha rotina  e continuo amar-te com a mesma intensidade. "Dás-me a tu mão?" imagino-me por vezes a perguntar-te...
 No final de qualquer dia que seja, entro no meu espaço com muitas dimensões, vejo por vezes, fascinado, a  aparição de mim mesmo ao espelho: "Alguém que sonha tanto, imagina tanto, com tanto dentro de si, parece-se assim?". E desejo-te na cama, comigo a beijar-te o pescoço. "Obrigado por aquele sorriso que me deste no Domingo, andei com ele todo o dia, sem conseguir evitar". Dispo-me das frivolidades do quotidiano e dessas magoas inócuas que a repetição tem logo por trás de si e no sonho de te ter perto de mim pergunto-me se também tu não queres despir qualquer coisa...   
Beijo, João.

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