Lembro-me. Entrei na sala de estudo do departamento, isolada
no terceiro andar àquela hora tardia. Silêncio. É uma sala espaçosa com janelas
largas onde se pode ver que a noite tomou posse do dia criando um estranho
contraste entre a luminosidade interior e exterior. Como se mundos separados se tratassem. Noto a
Rafaela, as gémeas e o Filipe encostados à parede na elevação como que num
ponto estratégico de observação e resguardo, em superioridade (nem que seja de
altura) e num valor de estarem acomodados todos em grupo. Aproximo-me do Sardinha. E lhe digo, confiante e de
forma espontânea, depois de excessivo contacto com pessoas:
-Olha, então já soubeste? -digo controlado, preparado para o
surpreender.
-Não-responde, de olhar sereno e interrogativo, com a boca
aberta e as sobrancelhas erguidas.
-O projeto foi adiado…
-O projeto foi adiado? - repete como se não tivesse ouvido
bem. E nós a centímetros.
-Sim, foi! Estou te a dizer…
Senti a gémea, que
estava próxima, no extremo, a mirar-me. Desloco o meu olhar para a elevação e
vejo o seu olhar incrédulo por trás dos óculos significantes, com a boca aberta
também. Falamos. A Rafaela fala também comigo, e questiona-me. Olho para o
grupo deles os quatro e divulgo a informação, apresentando argumentos
significativos e verosímeis. Uma das gémeas, a que está longe de mim, e o
namorado (o Filipe) vão falar com o professor e eu continuo a falar com a gémea
e a Rafaela. Eu e tu Rafaela. Julgas que não sei das tuas notas brilhantes?
Dessa tua inteligência escondida por detrás dessa tua postura, dessas tuas
palavras. Tantas vezes os outros te chamam oca por aquilo que dizes e arrogante
pela forma como caminhas. Bonita e arrogante.
E agora falas assim, como que em catadupa para mim, com
palavras atrás de palavras num tom de protesto e de mulher pragmática que
apenas vive nesse sentido.
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